A diferença daqueles meninos do passado, não tão distante, é que tinham pais que não fugiam de suas responsabilidades.
Nesta semana ficamos estarrecidos com as imagens de câmara de segurança mostrando duas crianças assaltando uma ótica no movimentado bairro São Caetano, em Itabuna. Os meninos, com menos de 12 anos de idade, trocaram a caneta e o lápis por um revólver. Usaram a mochila, que deveria carregar cadernos e livros, para transportar o resultado de um crime.
A bicicleta, que deveria ser para conduzi-los até uma escola, serviu para a fuga. Somente quando ocorre coisa desse tipo é que fazemos uma série de questionamentos e buscamos ter a dimensão da realidade que vivemos. Muitos aparecem dizendo que isso acontece por causa de um sistema falido de educação, saúde, habitação e falta de políticas públicas etc. Pode ser também.
Mas muita gente culpa apenas e tão somente os governantes pelo aumento da criminalidade. Essas mesmas pessoas esquecem-se das responsabilidades das famílias. É verdade que em Itabuna não existe espaço de lazer. As quadras de esportes estão abandonadas, os campos de futebol idem e as praças encontram-se em estado lastimável. Mas nada disso tira a responsabilidade dos pais de cuidar de seus filhos.
Não é aceitável que crianças fiquem fora da escola. Ela é o único caminho para o sucesso, principalmente daqueles nascidos em famílias miseráveis. Hoje, nas séries iniciais, o governo distribui livros, cadernos lápis, oferece transporte e manda dinheiro para as prefeituras comprarem merenda. E mais: o governo paga para o aluno estudar, com programas como Bolsa Família e Projovem.
Muitos vão dizer que é uma esmola, que não serve para nada. Para esses, eu respondo que gostaria muito de ter tido isso no tempo que estudei em escola pública e muitos dos meus amigos, que têm uma carreira de sucesso hoje, também gostariam muito dessa ajuda. Nós, os miseráveis, tínhamos que recorrer a livros emprestados e trabalhar aos 10 anos para comprar os nossos cadernos.
Tínhamos que caminhar quilômetros para chegar a uma escola mais próxima e quase nunca havia merenda. Nem por isso deixamos de perseguir e realizar o sonho de ter uma profissão e vida decentes. Tenho muitos amigos que passaram por isso. Tornaram-se servidores públicos, professores, advogados, dentre outros profissionais de respeito.
A diferença daqueles meninos do passado, não tão distante, é que tinham pais que não fugiam de suas responsabilidades de matricular – e acompanhar – seus filhos. Além disso, eles cobravam e tinham respeito. O resultado não poderia ser melhor. Vendo a cena dos dois meninos assaltando, lembrei logo da história que uma amiga minha relatou durante uma viagem ao Recife.
- Há alguns anos, quando criança e acompanhada da minha família, passei aqui como mendiga. Nesta mansão, pedi alguma coisa para comer. Disseram que tão tinha nada e acabei aceitando um copo com água e uma manga. Hoje, estou em um hotel cinco estrelas na Praia de Boa Viagem, um dos metros quadrados mais caro do país – narrou, emocionada.
Minha amiga prosseguiu afirmando: “como foi bom minha mãe ter ensinado que o conhecimento transforma vidas. A negra era analfabeta, mas sabia o valor do estudo”. Por causa de uma mãe cuidadosa, ela hoje tem um salário de R$ 7 mil e pode se dar ao luxo de viajar não só pelo Brasil, mas para o exterior também. Mais que isso, tem dignidade.
Poderia aqui citar vários exemplos, inclusive o meu, mas acredito que apenas este caso serve para comprovar que o conhecimento pode transformar a vida das pessoas e que os pais têm a obrigação de mandar seus filhos para a escola. É uma responsabilidade mínima. É inaceitável que crianças de 12 anos troquem caneta e lápis por revólver.
Inadmissível que usem a mochila, que deveria conter livros, para transportar óculos roubados e utilizem bicicleta para fugir do local do assalto, quando poderiam recorrer ao meio de transporte para chegar a uma escola. Se os pais são bandidos ou irresponsáveis, cabe ao Ministério Público Estadual e à Justiça fazerem a sua parte.
É necessário e urgente a punição aos que não conseguem educar seus filhos, não importa se moram na favela, em barracos de tábua. Além disso, temos que acabar com essa história de que criança de 12 anos não pode fazer alguma atividade lícita (principalmente tarefas de casa – e aqui não se deve confundir com exploração) para ajudar os pais. Esse filme só deve ter como o personagem aquele cuja família tem boa condição financeira.
Ailton Silva é filho de trabalhador rural com uma empregada doméstica, cidadão, universitário, jornalista de A Região e Morena FM e assessor de comunicação.
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