(*) Ruth de Aquino – Quando o PM do Distrito Federal jogou ao chão a universitária Ingrid Cartaxo, como se fosse uma boneca de pano, e fechou a grade gritando “O que que é? O que que é?”, pensei: “Esta é a imagem de um governo desmoralizado, truculento e autoritário”.
Desmoralizado pela corrupção e por manobras para garantir a impunidade. Truculento pela covardia contra jovens. Autoritário por não suportar contestação.
Identificado como tenente-coronel Cláudio Armond, comandante do 3º batalhão, o policial militar perdeu o controle e empurrou fortemente a estudante de ciências sociais da Universidade de Brasília, que registrou queixa na Comissão de Direitos Humanos da Câmara contra a agressão. Havia suspeita de fratura no braço de Ingrid.
O mais preocupante é que essa cena começa a fazer parte da paisagem de Brasília.
A agressão ocorreu na quinta-feira. Estudantes depositaram 30 sacos de esterco na frente da Câmara Legislativa, em protesto contra as manobras para acabar com a CPI da corrupção.
A inabilidade da PM – um eufemismo – vem se repetindo desde o início de dezembro, com contornos mais e menos violentos. E ninguém faz nada. Porque encara tudo como normal.
É inacreditável e vergonhoso que um país democrático não saiba lidar com manifestações políticas. Especialmente um país que enfrentou uma ditadura militar.
Qualquer cidadão brasileiro que conheça Paris sabe que as manifs (apelido carinhoso de manifestations) bloqueiam avenidas da capital francesa quase todo fim de semana e são protegidas, não atacadas, pelas forças da ordem. O trânsito é desviado pela polícia. E o direito de expressão é garantido. A passeata transcorre sem problemas.
Dá arrepio pensar quantos jovens seriam feridos ou morreriam nas mãos da PM de Arruda se promovessem quebra-quebras como os protagonizados por universitários em Paris nos últimos anos.
A PM armada precisa aprender a agir com serenidade e só usar a força quando não há outra alternativa. Senão, é abuso de poder.
No dia 9 de dezembro de 2009, em Brasília, cavalos, gás lacrimogêneo, balas de borracha e cassetetes foram arremessados contra estudantes.
A tropa de choque convocada pelo governador José Roberto Arruda para reprimir o protesto contra o mensalão do Dem agiu com brutalidade extrema. Um coronel chegou ao corpo a corpo com um manifestante.
Qual é a opinião do coronel Alberto, chefe de Comunicações da PM de Arruda? “Os manifestantes perturbaram terceiros, afrontaram a população de Brasília, porque não atenderam a nossos apelos para desbloquear a via e dar fluidez ao trânsito.”
Sobre o confronto pessoal, Alberto disse em linguagem de código: “O coronel acabou entrando em vias de fato devido às circunstâncias”. Afirmou que “a PM de Brasília treina exaustivamente para evitar conflito” e que “vem demonstrando capacidade muito grande de negociação”.
Essa declaração soa como achincalhe. Quase como as risadas do “governador panetone” no fim do ano.
Quem afronta a população não são os universitários, coronel. O que afronta são as propinas distribuídas em cuecas, meias, barrigas, bolsos e malas.
O que perturba é a dissolução da CPI depois de a Justiça destituir da comissão os aliados corruptos de Arruda. O que ofende são as tentativas acrobáticas de sobrevida do governador do DF e dos deputados aliados.
Não há aqui nenhum desejo de incitar à desordem pública. Mas a desordem é inevitável e perigosa quando não se respeita o direito legítimo à manifestação.
Esses 30 estudantes (só me assombra o número não ser maior) faziam um protesto pacífico, acompanhados de um advogado. Diogo Ramalho, universitário, disse: “Este é um protesto simbólico. O esterco simboliza a sujeira aí na Câmara”.
Virou pancadaria. A PM disse que tinha informações de que os estudantes “iriam jogar estrume nos deputados”. Os jovens tentaram entrar na Câmara. E a PM os atacou, sem se sensibilizar com as palavras de ordem dos estudantes: “Policial pai de família, não defenda essa quadrilha”.
Alguém pode culpar jovens por depositar esterco ali em ato de ironia e deboche?
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