Quanto custa um voto? Na cidade de Itajuípe, Sul do estado, o ‘confirma’ estava em promoção nessas eleições. Imagens em vídeo, as quais o CORREIO teve acesso, revelam um esquema de compra e venda de votos envolvendo os candidatos Félix Mendonça Júnior (deputado federal) e Paulo Câmera (deputado estadual), ambos eleitos pelo PDT. As gravações mostram que partidários dos dois candidatos compraram dezenas de votos de moradores em 3 de outubro por R$ 50 cada.
No vídeo, registrado com uma câmera oculta, os votos são negociados por dois homens da região, identificados como Reinaldo Félix, o Nadinho, e Orlandi Santos de Almeida, o Tafarel. Eles são apontados como responsáveis por cooptar, agenciar e pagar eleitores de União Queimada, distrito que fica na zona rural da cidade.
Tafarel aparece pagando eleitores e apontando em quais candidatos as pessoas deveriam votar em troca do dinheiro. “É esse aqui, ó. É 12.580 Paulo Câmera e 1.234 Félix Júnior”. Tafarel destaca que só devem ser pagas pessoas de confiança, votos certos. “Na hora de gastar, tem que ser na pessoa certa”. E acrescenta. “Aqui cada um consegue dois votos. Eu dou R$ 50 pra votar e ele consegue um da família. Se a gente passa de 150 votos, ele (o candidato) prometeu um churrasco”.
A função de Nadinho é negociar, angariar eleitores e pagar pelos votos. Faz isso dentro da sua própria casa, espécie de quartel-general do esquema. “Foi passado pra mim 30 pessoas pra ‘trabalhar’. Pagar R$ 50 hoje após encerrar a votação. Tô aqui com a numeração de todos os títulos. A gente tá fazendo um trabalho sério, sem molequeira. O investimento do deputado é alto”.
Comércio
O fato de os votos terem sido negociados na casa de Nadinho dá um tom ainda maior de comércio ao esquema. A residência fica bem ao lado de um bar, de propriedade da mãe do rapaz. Nas gravações, podem ser ouvidas as tacadas de sinuca no estabelecimento, enquanto Nadinho dá orientações certeiras aos eleitores.
“O dinheiro tá comigo, mas se a gente perceber que não tá acontecendo, não vai ser pago”. Os que tiveram a promessa dos R$ 50 fizeram fila na porta de sua casa para receber o pagamento após a votação no dia 3. Pelas gravações, Tafarel, que mora em Itajuípe, é uma espécie de enviado à localidade para fiscalizar, instruir e abastecer Nadinho com dinheiro para a compra de votos.
Num dos momentos, Tafarel chega a revelar o valor do ‘investimento’ e em quantas localidades houve esquemas semelhantes, além do número de pessoas escolhidas para participar da votação.
“São 44 local (sic). São 60 pessoas aqui, uns R$ 3 mil. No total, Félix Júnior tá gastando R$ 68 mil pra boca de urna e trabalho feito na campanha”. Em seguida, o próprio Nadinho confirma com quem pegou o dinheiro usado nos pagamentos. “O dinheiro mesmo, eu peguei na mão de Tafarel”.
Félix Júnior e Paulo Câmera foram disparados os mais votados na única urna de União Queimada, instalada na Escola Municipal Otávio Portela. O primeiro teve 98 votos e o segundo, 53. Há ainda outra pessoa envolvida. Uma mulher identificada como Shirlei, a coordenadora da 68ª Seção Eleitoral. Shirlei conhece a lista dos que receberam dinheiro e tem o papel de fiscalizar. “Eu tô lá de olho. Tem pessoas com dificuldade de digitar e ficam lerdando”.
‘Dr. Paulo’
A todo momento, os envolvidos apontam “Dr. Paulo” como peça-chave no esquema. Mas nesse caso eles não se referem a Paulo Câmera, e sim Paulo Martinho, ex-prefeito de Itajuípe, liderança política na região. “Eu presto conta a doutor Paulo. É doutor Paulo que depois vem em cima de mim”, afirma o tempo inteiro Nadinho, alertando os eleitores sobre a “seriedade” do esquema. Já Tafarel chega a dizer que foi candidato a vice-prefeito com Martinho. “Faltou mil votos pra se eleger (sic)”.
Após a votação, Nadinho comemorou dentro de casa, onde se formou uma grande fila na porta. “Fomos os mais bem votados. Fico feliz. Eu sabia que ia estourar, mas não sabia que ia derrubar os candidatos do prefeito e dos vereadores”. Um a um, os que venderam seus votos foram receber o que lhes era devido.
“Pede ao pessoal pra só entrar quando eu mandar. Isso não era nem pra formar fila. Tô chamando discretamente pra disfarçar”. É possível distinguir as notas de R$ 50 entregues a boa parte das 30 pessoas que assinam a lista, totalizando R$ 1,5 mil.
Nadinho só não se conformou com alguns dos eleitores que não cumpriram o compromisso. “Teve gente que não votou 100%, senão a gente tinha estourado”. E acusa um deles de sequer ter título. “O cara não votou. Colocou o nome na lista pra sacanear, mas o título dele tá cancelado. Coloquei três pessoas atrás dele e ele não votou. Como é que vou pagar a um cara desses”.
Além da compra de votos com dinheiro vivo, Félix Júnior, Paulo Câmera e Paulo Martinho também seriam responsáveis pela construção de cinco banheiros nas residências, também em troca de votos. A promessa era de construir muito mais. Um dos moradores flagrados recebendo dinheiro chega a cobrar. “Ô, Nadinho. Será que essa semana ele vai ver o negócio dos banheiros. Só fizeram cinco aqui”.
O homem que fez da sua residência o local de negociação e pagamento dos votos comprados nas eleições assistia à televisão quando a reportagem chegou. À procura dos envolvidos no esquema, a equipe foi a Itajuípe, a 418 quilômetros de Salvador, e depois seguiu para o distrito de União Queimada, onde as gravações foram feitas.
Ainda sem saber do que se tratava, Nadinho puxou o banco, serviu copos de refrigerante e falou sobre como foram as eleições no distrito. Orgulhoso, admitiu ter trabalhado para o candidato a deputado federal eleito Félix Mendonça. O jovem de 18 anos, mostrou-se antenado com a política da região.
Só mudou o semblante quando indagado sobre denúncias que o apontavam como cabo-eleitoral de um esquema de compra de votos. Sem ter conhecimento da existência das imagens, negou qualquer esquema de compra de votos e garantiu conhecer muito pouco os homens para os quais trabalhou. “Se eu disser que tenho amizade com eles, tô mentindo. Se rolou dinheiro, eu não sei. A eleição aqui foi tranquila”, restringiu-se a explicar.
Não é o que mostram as gravações. Nas imagens, Nadinho faz tudo de forma organizada. Pede que, antes de receberem o dinheiro, todos assinem seus nomes numa folha de papel. “Assina aí que é o comprovante que eu tenho que você recebeu o dinheiro”, diz.
A mulher identificada como Shirlei, que coordenou a 68ª seção, preferiu não atender à reportagem. Mas o pai de Shirlei confirmou que a filha é convocada para ser mesária em todas as eleições. Identificados no vídeo, moradores que venderam seus votos negaram que o tenham feito, ainda que parcialmente.
Indagado sobre sua participação, José Carlos Lemos, o Raposão, desconversou. “Prometeram uns banheiros aí. Votei neles, mas não recebi dinheiro não”, disse Raposão, com um adesivo de Félix Júnior colado na parede de sua casa, feita de madeira.
Nas gravações, Raposão aparece recebendo R$ 50 por votar nos dois candidatos. “Aí, tá vendo. Seus candidatos explodiram. Se rolar segundo turno nós tá dentro, viu? Me procure”, disse a Nadinho. Outro da lista, Adeílson Pereira Lima, que também recebe R$ 50 e está com um adesivo de Paulo Câmera na camisa, negou da mesma forma a existência de compra de votos.
A maioria dos que venderam os votos é gente simples, moradores de um distrito pobre, sem saneamento básico. Entre os cooptados, analfabetos que sequer assinam a lista de Nadinho. “Eu não assino não. Vou melar meu dedo”, diz um dos moradores. “Então faça qualquer rabisco aí”, retruca Nadinho. “Sempre estou do lado de Paulo Martinho, mas preciso dos R$ 50 pra comprar meu remédio”, disse uma eleitora.
Numa localidade com aproximadamente 500 eleitores, Félix Júnior teve 98 votos e Paulo Câmera 53. É o que aponta a 2ª via do Boletim de Urna, que o CORREIO teve acesso. Em Itajuípe, que tem mais de 15 mil eleitores, Félix Júnior foi o segundo mais votado com quase dois mil votos. Paulo Câmera teve quase 850. Enquanto Félix Júnior foi eleito na Bahia com quase 149 mil votos, Paulo Câmera obteve pouco mais de 40,5 mil.
Mandatos podem ser impugnados, diz MP
Para o promotor eleitoral das cidades de Itajuípe e Barro Preto, Patrick Pires da Costa, as imagens do vídeo representam uma prova concreta de crime eleitoral .“É um material que não deixa dúvidas, é bem forte”, disse o promotor, que vai solicitar à Polícia Federal instauração de inquérito para apurar as irregularidades.
Patrick Pires explicou que os candidatos podem responder penalmente pelo crime de compra de votos, previsto no Artigo 299 do código eleitoral, além de serem enquadrados em outros dois crimes: boca de urna e abuso do poder econômico. Ambos podem sofrer recursos contra as diplomações e ações de investigação judicial e de impugnação dos mandatos eletivos caso cheguem a assumir os cargos em janeiro.
“Eles podem perder os direitos políticos por, no mínimo, três anos. Ainda tem a boca de urna. Distribuíram material no dia da eleição”.
As gravações também já estão com a Procuradoria Regional Eleitoral do Ministério Público Federal. O procurador André Luiz Batista Neves foi designado para cuidar do caso, mas disse que só se manifestaria sobre o assunto depois de analisar as imagens após o feriado de ontem.
Félix Júnior e Paulo Câmera são ligados ao grupo político do ex-prefeito de Itajuípe, Paulo Martinho, citado nas gravações como peça chave. Em 2004, a Câmara Municipal ele teve o mandato caçado por peculato e desvio de dinheiro público. Em março deste ano, foi condenado pela Justiça a pagar R$ 450 mil e teve seus direitos políticos suspensos por cinco anos. Em 2009, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) determinou que ele devolvesse mais de R$ 1,6 milhão.
O deputado federal eleito, Félix Júnior (PDT), seguiu os mesmos passos do pai, Félix Mendonça (DEM). Com 46 anos, o pedetista, formado em administração, é sócio da empreiteira MRM, criada pela sua família, e da rede de rádios Tudo FM, presente em municípios do Sul do estado. A região é o maior reduto eleitoral de seu pai, que já foi ex-prefeito de Itabuna. O deputado estadual Paulo Câmera (PDT) conseguiu se reeleger para o seu quarto mandato na Assembleia.
Em setembro, o CORREIO publicou matéria relatando que, entre 1º de julho e 31 de agosto, o parlamentar só compareceu a seis das 35 sessões ordinárias realizadas. O deputado, de 65 anos, nasceu em Itabuna e é administrador.
Os candidatos citados nas gravações negam ter participado do crime eleitoral. Félix Júnior disse que as denúncias não têm fundamento. “É denuncismo.
Nadinho e Tafarel? Não me recordo. Se tem provas, mandem para o TRE”. Mas Félix admite ter ligação com o ex-prefeito de Itajuípe, Paulo Martinho. “É meu llíder na região”, diz ele, negando também a construção de banheiros. “Não fiz obra nenhuma lá. Eu conheço a legislação”.
Já Paulo Câmera acredita que as denúncias partem de adversários políticos. “Meu representante na região não tem dinheiro para isso. Temos adversários por lá. Natural que eles tentem denegrir nossa imagem”. O ex-prefeito de Itajuípe, Paulo Martinho, não foi localizado pelo CORREIO
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