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segunda-feira, 30 de abril de 2012

A INDÚSTRIA DO BEM E SUAS LAVANDERIAS DE IMAGEM


Apesar de a crise econômica que desde 2009 vem chacoalhando o mundo, inclusive o mundo dos muito ricos, ter abalado um tantinho o chão das grandes corporações de capital nacional e multinacional, ainda são elas que dão as cartas (e as caras) da economia globalizada. Não há Estado topetudo que tenha poder para enfrentar o poder e o capital das grandes empresas, exceto nas ditaduras, onde as duas coisas se misturam e viram uma só. Para traduzir o poderio inabalável das grandes corporações há dois documentários mais que ilustrativos: Inside Job e The Corporation, ambos lançados no Brasil, o primeiro de 2010 e o segundo de 2003.

Mas este não é um texto sobre as grandes corporações e suas formas tentaculares de agir nos mercados do mundo. É sobre a publicidade veiculada por grandes empresas para lavar suas imagens para lá de duvidosas diante do público consumidor. E nesse aspecto as grandes multinacionais e as medianas paroquiais rezam pelas mesmas cartilhas de comunicação institucional. Todas exibem em suas peças publicitárias televisivas recados primorosos para o público avisando o quanto são boazinhas magnânimas e o quanto investem para proteger os pobres e desvalidos de conta corrente.


LIVROS POR METRO – Para ficar nos arredores da vizinhança, as emissoras locais estão atualmente exibindo duas campanhas publicitárias que são um primor de ironia quanto aos méritos das empresas às quais se referem: a de uma indústria química sediada numa das praias mais valorizadas do litoral norte de Salvador (localizada na própria praia, literalmente) e a de uma empresa de construção e incorporação de apartamentos voltados para a classe média que se quer alta. Há vários outros cases, mas, para a exigüidade do espaço, estes são suficientes para ilustrar o quanto em tempos nos quais se tornou obrigatório falar de responsabilidade social, sustentabilidade e coisas que tais, contratar um bom cérebro publicitário e adotar uma causa bonita já é coisa suficiente para ficar bem na fita.

No caso da indústria química, escolheram uma menina certamente moradora das imediações da fábrica, tida e havida no passado e no presente como causadora de danos bravos ao meio ambiente local (há coisa mais pornográfica em termos ambientais que uma indústria química numa praia?) e mandaram avisar na televisão que está feliz da vida porque já leu dezenas e dezenas de livros e vai chegar a 200. Primeiro que, se a coisa tivesse mesmo compromisso com o incentivo à leitura não seria mais recomendável que a garota testemunhasse sobre o que encontrou nos livros, a aventura, a subjetividade, o alargamento do mundo, a obra de um Lobato, de um Júlio Verne, etc. Falar que a meta é passar de 60 para 200 parece coisa de novela, onde os livros são de mentira e são comprados por metro, como anunciou sem pudor a personagem Carminha, de Avenida Brasil, esta semana. Apontado para a estante da casa, puxou uma coisa parecida com três volumes de uma enciclopédia e retirou da estante uma moldura preta de madeira oca, pintada para fazer parecer lombadas. Sim, livro e leitura remetem a qualidades e não a quantidades. Mas o recado está dado e assim fica: a empresa espalha componentes químicos mar e natureza adentro e a menina dos cachinhos é convocada para anunciar à Bahia que essa mesma empresa é uma fofa e que de tão bondosa lhe proporcionou a leitura de uns quantos livros na biblioteca montada para fazer as vezes de lavanderia da imagem. O anúncio na TV coroa o recado.

CONVULSÃO – Já a construtora e incorporada exibe uma campanha para vender seus apartamentos que é um clássico no setor imobiliário, repetida em 11 a cada 10 lançamentos de condomínios de luxo. Onde havia antes um restinho de mata virgem intocada, incluindo fauna e flora, claro, passa-se um trator, mata-se tudo o quanto é bicho, espalha-se escorpião (aparentemente desdentado) até para a casa do prefeito e no local são construídos trocentas torres apartamentos ou centenas de casas de alto padrão. Sim, a floresta TEVE que ser removida para dar lugar ao empreendimento, mas o que diz o anúncio publicitário para os compradores: venha morar em um lugar onde a natureza está preservada. E, de novo, para todos ficarem bem na fita, os mais pobrinhos das imediações, se crianças, ganham uma brinquedoteca para a comunidade; se mais maduros, com sorte, garantem um emprego de doméstica, jardineiro, etc. E todos, no mundo surreal da indústria da promoção do bem dos pobres e com suas imagens devidamente lavadas, serão felizes para sempre. Mas só nas campanhas publicitárias da TV. Fora da tela, a convulsão social urra.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.

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